Foi Dom Manuel quem assinou a Carta de Lei, subscrevendo o fomento vínico que tão bem tem feito a esta região. O Dão ama-se e, como disse Bono, amores longos “requerem mais paciência e menos paixão”.
Eu sou de voragens, mas acredito que a paciência nos tenha permitido pensar melhor nesta vida de lavradores.
Foi assim que o Dão nasceu, uma grande congeminação dos bacharéis de Coimbra, compromissados com as terras que lhes deram sustento e estudos. “Os dias que nos Dão” lembram os produtores de uva que trabalham estes 16 mil hectares de vinha. Produzem 35 a 40 milhões de litros por ano, dos quais cerca de 40% são certificados.
Mas a memória é mais vasta. Bebi o meu primeiro vinho do Dão em 1987. Foi na casa do comandante Américo Borges, nos tempos quentes dos Fornos Eléctricos, em Canas de Senhorim e creio que tenha sido um Udaca de 1983.
Mais tarde, em 1995, regressava de uma ação de formação no Sabugal e parámos em Nelas, onde me ofereceram a primeira garrafa, um Dão para celebrar os 75 anos dos Bombeiros daquela vila. Em 2000 paguei por duas garrafas de vinho do Dão, cinco contos de réis na ardida casa das trutas. Mais de quatro anos depois, numa noite de batota, com o Bordalo e o Nuno Amaral, bebemos todo o Dão que havia na casa da professora Engrácia. Será talvez daí que vem a minha paixão pelo Dão, vinhos diferentes, rudes como gosto de dizer, macios se preferirem, mas vinhos que me deixam, sempre, inquieto, à procura do que encontro. Não há um vinho que me tranquilize. Alvoraçam-me, fazem sonhar, teclar de forma furiosa, escrever contando. Talvez devêssemos guardar alguns. Mas, dizia-me esta madrugada o Alfredo Rente, para nós enófilos não vale a pena. Esperar é difícil. E virtude.
Aduelas é proémio, destrinca, destinar as aduelas aos pipos e aos tampos. O contexto e a geografia. Este rio do Eirado à Foz do Dão. Novo capítulo e temos compasso, coordenadas do pipo.
Origens e primórdios da viticultura no Dão. Vinhas antigas, as origens. Noutro ponto a fundagem, o alisamento da madeira. As razões para a demarcação. Os latifundiários, a cumplicidade coimbrã dos estudos, demarcar é vender.
Enlombar, dar corpo ao pipo. O fomento, a quantidade e o despontar. A grande guerra, o estado novo, o incentivar das cooperativas, as quantidades.
Nova cláusula na pareia, entrada na CEE, fundos e o Parker. Uma nova alvorada, fundos e o alargar do mercado.
Prosseguindo a passada temos a Bastição, malhar o encaixe das aduelas em torno do encosto. Qualidade e quintas. O renascer do Dão, a perceção das castas, novas marcas, novo fomento.
De permeio o cofre forte. As castas, os embaixadores, Touriga e Encruzado, os novos caminhos, a diferenciação do que é realmente nosso. Brotou aqui e temos que saber por essas na lapela. Essas videiras, estas cepas que nestes dias vos toldam a angústia que este ano a vindima não é fácil. Diz quem já fez muitas. Eu bebi muitas e espero ter sabido honrar o suor dos afadigados que este é um Dão de lavradores, enófilos, enólogos e escanções. Mas nunca percebi nada de vinho. Nem de vinho nem de letras.
Do livro, desta enxertia de letras, dirão vossemecês de vosso pleito. Mas é um primeiro entretém para a obrigação que temos de contar a história deste rio que nos assarapanta a cada golada. Para que saibamos quem somos e como somos. Do vinho, digo eu que caminho com pés de andar, é uma inegável façanha. Único, lendário e vanguardista. Uma vanguarda assente na origem, que nunca se outorgou. Sempre cá esteve.