Refractário que sou, reclamo alegoria para botelha em unidade singular.
Antes do mais, o importante. Sou um indefectíivel de São Francisco – Desculpem o desabafo, mas o Dão tem de vos merecer melhor na mesa, que na restauração, upa upa, de três em pipa, fresco, lá iremos, em bom copo, arejado e conversa. E já bebi um, deste produtor, uma Touriga, monocasta e, nem a propósito ainda hoje telefonou, faça a bondade e abra lá isso às sextas senhor Adelino que restaurante aberto fecha à segunda! Ora isto, escrevo em seca hora por causa do malandro do comprimido mágico.

O senhor Adelino é freguês deste Armazém e tomou Restaurante em S. Francisco, Moimenta da Beira. É junto ao Convento, sobre o qual escreveu Mestre Aquilino Ribeiro, e cito, “uma torre que chamava a atenção com os seus olhos vazados e uma albergaria que evocava uma aragem de nobreza antiga”. Procurava o Maria João, que leu aqui, e outros vinhos. Resolvi ajudar; ao lembrar-me que vai para mais de dez anos eu e o Rui Bondoso comemos ali uma caldeirada, não confundam as fotografias com o Brás.

Uma simpática funcionária, e proficiente, da empresa a que recorri pôs-me na peugada. O investidor, e anfitrião, merece toda a hospitalidade. E terá sucesso. Está na encruzilhada de três boas regiões demarcadas e de muita, e boa, cultura. Diversidade e multiplicidade. Liguei eu mesmo, pois topei ali, no sortido, ou por lá a minha espécie, lobriguei, uma menor cordialidade, mas cumpri a missão e emborquei. E depois barafustei. Temos que saber amar o Dão. Eu, confesso, e sei que a tecnologia deste entreposto vai revolucionar a forma como se vende vinho, em Viseu já há três bares e um restaurante aonde deixei de ir por não terem Dão. Quando vou à minha cidade, bebo Beira Interior, quando vou ver meus primos, bebo Alvarinho. E se estiver no Algarve, pois tragam cá o Barranco Longo que também o trato. Feito o largo às letras, espeto com o receituário, que tinha escassa botelha. Bom, o vinho. Citrino cristalino, untuosidade, trabalhoso no palato, delicioso no travo e resplandeceste a toma, fruta branca e ameixa seca.

E porque uma outra prova? Porque o comecei a conhecer em 2023, avaliei a evolução e uma segunda prova, está muito melhor, porque calhou ao caminho. Ou melhor. Nas sortes. Restaurante citadino, bairro urbano, com movida quanto baste, clientela jovem, gastronomia portuguesa, moderna e tradicional, italiana, turca e persa, com essa mania de assar carne em espetos. Novo entretém, direis vós. Digo persa porque o kebab viajou às alemanhas, uma versão turca, nascido a séculos dezanove e hoje pão pita com salada e molhos. Nisto do kebab, sejam pacientes que já vamos ao vinho, os turcos trouxeram a barafunda com as carnes e o espeto vertical e carnes fatiadas, frango, cabra, carneiro, cordeiro, um boi até. Os persas, civilização que deveríamos conhecer a preceito, usa simples cordeiro ou carne de vaca, bota-lhe ao atavio salsa e cebola picada. Imaginem agora que eu ia de fome e não tinha botelha. Serviu a escassa disponível, bica aberta, decantação pelo frio, borras finas e sete meses na cuba.
Bebi-o, acidez bem vincada, untuoso e persistente. Insistente também, teria bebido outra.
Num restaurante carreado de privilégios urbanos. Caramba, não basta pagar taxas e impostos que são muitos e eu bem sei, trata-se de fazer com que o cliente volte. O justo. 15,80 preço justo sim senhor. Então porque não reforçar a garrafeira?
Desabafei, pois, após o telefonema do senhor Adelino. Isto é uma lástima, e agora com a invasão do vinho espanhol e daquele do café, que não merece tal ofensiva que a empresa tem reputação mais que merecida. O curto Chão de São Francisco, a garrafeira somítica, sóbria poética para um Dão.


O Chão da Quinta Branco tem mineralidade e acidez inconfundíveis. Caramba, só uma garrafa no frio e, no dia após o antes fim de semana, nem uma? Volto-lhe ao paladar que, por vezes, fico palerma e não entendo porque não podemos ser sofisticados e ter, para vender, a quem o quiser pagar e beber, mais oferta da Região? Logo este, um Field Blend, uvas da mesma parcela, enfileiradas, Encruzado e Malvasia; perfil aromático, ideal para a esplanada.
Uma garrafa, inclui uma estória, para mim, pelo que em deveras, tomei-o como ímpar, raro, original. Singular a botelha, com toda a polifonia da palavra primeira.

Um vira de roda que a região não precisa. O que reclamamos, senhores restauradores e anfitriões e toda a taifa é de oferta da Região na Região. A essência permanece, mas passo bem sem essa dança de roda, a falta de mãos dadas ao cesto ou todos aos ombros. Dançarinos da garrafeira, acrescentem-lhe o bombo, abalem-se a São Francisco, bem sei Apóstolo, o Dão é alegre e dispensa sermões. Mas quem faz o vinho tambem grava letras duras, o decoro não se quer no copo, reclama-se na adega. Isto são letras que falam de trabalho. De um quotidiano que a apatia quase apaga.
Versos que se alternam, quando a responsabilidade social de cada um exige diálogo cantado.

Houvera outra garrafa; teria a conversa que merece! Fizemos por merecer a única. E foi alegria, apesar da exiguidade.