Descia a rua da sede do PCP, em Seia, onde fui gravar entrevista e o ocaso da noite, já posto, iluminou-se. Petiscos Silva, brilhava a chamada, logo ao fundo da rua, as Escadinhas do Castelo, que terá havido em tempos, por esta tarde, o castelo era o balcão corrido e a sala bem posto e iluminada. Vitrine, vinho do Dão e vamos merendar, que no meu caso era almoçar. Seia tem para oferecer muito e bom, queijo que derrete só de olhar, presunto que faz qualquer dieta repensar a vida e enchidos curados ao frio da montanha.

O espaço é pequeno, mas muito acolhedor, além de diárias, tem o pintxo tardio e bom. Nas diárias costumam pontuar o quadro “Arroz de tentáculos”, ou “Torresmos com batata à racha”. Voltarei na demanda dos torresmos. Eu, viandante, atirei-lhe com um ovo cozido, ali mesmo à mão numa tigela com sal, para entalar um branco do Dão, vinho de serviço. A garrafeira é frugal, mas não faltam os tintos, e brancos, do Dão e a simpatia gira bem com conversas de trabalho e anda, que te esperam em casa. Eu ative-me, a pensar no trabalho e no engenho, uma prateleira de madeira, alçada à parede, para poisar copo, enquanto se despacham cigarros e diálogos.


Os vinhos da região de Seia gozam de uma reputação especial dentro da Denominação de Origem Controlada Dão. Integram a Sub-região da Serra da Estrela, num concelho berço de alguns dos mais aclamados vinhos de altitude portugueses, beneficiando de um microclima único e de solos graníticos. Solos na vertente ocidental do Maciço Montanhoso da Serra da Estrela, que imputam aos vinhos uma frescura e uma elegância ímpares. As vinhas encontram-se geralmente entre os 400 e os 700 metros de altitude, uma condição que alonga o ciclo de maturação e preserva a acidez natural das uvas. Quinta da Bica; o Mestre Álvaro de Castro, pouca intervenção, a terra e a vinha das quintas da Pellada e de Saes fazem muito. Quinta da Bica ou a Martins Wine Advisor, consultadoria vínica com sede em São Romão. A montanha traz altitude, a baixa temperatura noturna ajuda a preservar a acidez natural das uvas, resultando em vinhos brancos muito frescos e em tintos com maior concentração de compostos aromáticos e taninos.

De posse do vinho, acrescentei uma fatia do cremoso, arriei-lhe um rissol de carne, e, ainda bem não, estava pronta a minha bifana. Sim aos almoços a conversa é outra, ao fim da tarde, o povo vem do trabalho, quer conversa e dois copos para o caminho. E conversa, com a idiossincrasia da clientela, não falta, tampouco a simpatia do senhor Silva, que escuta, mas também explica. Assim composto, trabalho na gravador e notas no caderno, desci-me no regresso, tardio, a casa, a pensar na gastronomia da Serra da Estrela, onde se insere o concelho de Seia, cozinha de altitude, forjada pelo frio e pela tradição, sabores robustos e ingredientes endógenos de alta qualidade. É uma comida, dita de conforto, que se encontra tanto nas pequenas tabernas, onde se servem os petiscos mais genuínos.


O produto da Região, incontornável e bandeira, é o Queijo Serra da Estrela DOP, conhecido pela textura amanteigada e sabor intenso. É a base de muitos momentos à mesa e o cartão de visita de qualquer refeição. Nos pratos quentes, a dieta de montanha privilegia a substância. O Cabrito da Serra Assado é um clássico festivo, cozinhado lentamente no forno a lenha, e a Chanfana — carne de cabra cozinhada em vinho tinto, tipicamente em caçoilas de barro — são a prova de um saber fazer que respeita o ritmo lento da montanha. Para petiscar, as Alheiras de Pão e os enchidos regionais são presença obrigatória, acompanhados pelo Pão de Centeio local, de côdea grossa e miolo denso.


Esta gastronomia é indissociável dos Vinhos do Dão de altitude da região, que com a sua acidez e frescura, funcionam como o contraponto ideal para a riqueza e a gordura dos pratos serranos. Em suma, comer na Serra da Estrela é participar num ritual de conforto e tradição, mesmo que no regresso a casa, tivesse quesitos para responder.







