Carvão do Sul


Publicado por:

a

em

Carvão do Sul

O Carvão do Sul é a metáfora ardente deste nosso tempo, uma arte que se manifesta no ritual sagrado do churrasco, na festa simples e gulosamente fraternal. Não é apenas a mesa posta, mas a generosidade da maionese, alva e cremosa, que evoca a grande celebração brasileira, um banquete que se enraíza e floresce numa comunidade cada vez mais vasta e vibrante em Viseu.

Uso e abuso do lugar, pois nesta cidade, outrora resguardada, assiste-se ao esplendoroso encontro de mundividências – o sussurro do Sul Global a interpelar a sisudez do Norte Ocidental. É a salada russa, apelidada de maionese, a navegar o Atlântico dos Trópicos até às terras beirãs, numa Viseu onde o Dão se encontra com o Mapa, alma duriense nesta cartografia vínica, na festa e no braseiro, é um ato de justiça e de reconhecimento, não somos exclusivistas, adoramos a vertigem da descoberta, a harmonia do encontro, a riqueza da vocabulagem que, contudo, não cala as dores do Sul — a precariedade da renda sem contrato, o salário submerso, o quarto exíguo por quatrocentos euros.

Neste fervor de carnes grelhadas, seja em churrascaria ou “churrasqueira, nomes múltiplos para a mesma odes à festa brasileira e aqui, esse instrumento, um grelhador, a duas grelhas e várias carnes. A filosofia da vida revela-se no lume, diz-me Ismael, de São Paulo, eis o cerne poético, o lume que se acende, o fogo que grelha a carne até pegar ponto. A transcendência desse instante em partilha pura. É um ritual que a voz de Tatiane Santos eleva, ao afirmar que é mais do que uma refeição, é um ritual social de convívio que pontua os fins de semana, as celebrações e as confraternizações.

O churrasco, a cargo do jovem António, três anos de vida, mas já guardião desta arte, concretiza-se ali, no cruzamento das ruas Silva Gaio e Maximiano Aragão, um palco improvável para tal efusão. Enquanto a maminha, picanha e o contrafilé suam na grelha do carvão, e a voz maviosa de Alcione paira no ar, a conversa esbate os limites da filosofia, na arte de beber, ser-se fiel ao vinho telúrico ou ao chope cintilante?

O cerne desta celebração reside no laço de pertença mútua entre portugueses e brasileiros, uma complexa teia identitária que fulgura para além do mero relato colonial. Portugal perscruta no Brasil o eco vibrante da sua língua e cultura, uma extensão existencial onde a alma portuguesa ousou reinventar-se; já o Brasil, na sua autonomia plena, assume a herança lusitana como a matriz fundacional que, ao fundir-se com outras etnias, deu origem a uma riquíssima brasilidade.

É uma relação dialética e viva, entre o peso da memória e a liberdade inebriante da reinvenção, onde a aventura de ser lusófono permite a ambos sentirem-se intimamente em casa.

Um churrasco basta para rasgar a identidade dos nossos irmãos sulistas, e esta dinâmica apaixonada ganha uma visibilidade comovedora em Viseu. Aqui, a comunidade brasileira é a mais representativa e crescente na região Dão Lafões. Através de entidades como a Associação Casa do Brasil, que apoiam e promovem a sua integração, o crescente número de brasileiros que escolhe Viseu sublinha o carácter contínuo e fervoroso deste encontro de povos. Mais do que uma simples amizade, embora o seja profundamente, esta ligação é uma sublime irmandade.

Carrinho0
Não há produtos no carrinho!
Continuar a comprar
0