Quinta da Fata Encruzado 2020


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Quinta da Fata Encruzado 2020

Saúde a quem no guardou, sabedoria antiga que se verteu em bom copo. Um achado a que se deu tempo ao reencontro, abrir, decanter, copo largo e aspire-se. Fruta, mineralidade, fresco, volumoso. Tudo na justa perfeição. Comedimento circunspecto na guarda, a boca, gulosa, volume e final equilibrado. E fica ali, à minha espera, arejado, sibilino, tentador.

Sim, os brancos e o sobremodo do Encruzado, esperam por nós. Contam-nos segredos, trazem pensamento, estrutura, que dizer, estórias. E não gritam. A singela presença tem o dom de nos vergar ao tempero deste Encruzado. Prebenda, a nós, do Eurico Amaral, família vinhateira, as cepas, ali aquele imenso vinhedo, dum lado e doutro da Nacional 231, galgando socalcos ao Dão, mais acima, uma direita e uma esquerda e eis a Quinta da Fata. As videiras estendidas, a quererem lamber o Dão, um declive soalheiro, a tília a vincar esse rigor antigo e a conversa. Eu e o vinho. Sozinhos. Um com o outro, conversa de primo distante.

Sigamos, bebendo-o. Sim, arejei-o, e a cada golo, um travo de surpresa. Este Quinta da Fata Encruzado 2020 traz com ele precedência. Complexo, original. Poderoso, acidez viva, cheio e preenchido. E ainda fresco. Chamei ao entretém vespertino um queijo amanteigado, casqueiro do Sabugueiro e um doce de abóbora do Demo. Miudezas, e poetas, “dance me to the end of love”, cantou Cohen. Pois bem, bebamos.

Vinho vegetal, e varietal, vindo de quinta ensolarada, limpo, sincero e intricado de sabores e saberes. Amanhei-o, nas profundezas de mercearia, a 14,49 euros, sabendo bem ao que ia. E o que tinha achado. O Encruzado dá-nos uvas de elevada acidez o que ajuda, e de que maneira, ao envelhecimento, e assim permanecem, incisivos, com a vantagem de este ter o curtimento, e eu a curtir também, em lagares de granito e estágio em boa madeira de carvalho.

Tem dias em que não devíamos ter pressa, e a vindima de 2020 deu-nos esses dias, menor quantidade e qualidade elevada. No antes, temperaturas altas, no depois do corte, intensidade aromática, elegância e estrutura. Como este que topei lobrigar. Nada que não nos tivessem ensinado, com esta uva amiga do lavrador, trabalhadora e persistente. Magalhães Coelho estudou-a, criou vinhos únicos, em apondo na Estrela, em altitude. Também Manuel Vieira, nos anos 90, a embotelhou a solo.

Como antes deu, desde 1940, e bem prova temos no Centro de Estudos do Dão. Dez hectares na Quinta da Cal, em Nelas, que ainda guardam, assim espero e desejo que me chamem a nova prova, brancos de Encruzado, anteriores a 1990. E porquê? Porque no final dos anos 50 Alberto Vilhena, do Centro de Estudos Vitivinícolas do Dão, começou a fazer plantações desta casta. Em parcelas e a descobrir, encadeado, variedade e vinificações. Nos anos 60, e depois, já aí estavam. Hoje, tenho para mim, que evoluem muito bem em garrafa, tenho insistido em provas anuais do mesmo vinho, renascem quando abertos com mestria. E duram. Anos.

Este, cinco anos e quatro vindimos depois, delicado, sensível a intrometer-se no palato, bom acidez e tudo em orquestra afinada. Subtileza, encorpado, intenso no final. Que rico vinho meu rapaz, que ainda terás anos pela frente. “Lift me like an olive branch and be my homeward dove”.

O Quinta da Fata Encruzado 2020 é um embaixador e comendador. Do melhor que temos. Excelso.

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